O racismo é caso de saúde pública! por Mabia Barros

Por Mabia Barros

O presente texto é uma reflexão em cima de dois textos: Como o racismo é ruim para os nossos corpos (em inglês) e Jornais brasileiros separam racismo de violência, além de minha experiência sobre o jornalismo na Bahia.

O texto da The Atlantic chama a atenção para um aspecto muito pouco observado do impacto de atos racistas nas nossas vidas: estudos publicados em revistas como The American Journal of Public Health comprovam que a discriminação comprovadamente aumentam os riscos de casos de hipertensão, depressão, estresse, problemas cardiovasculares, câncer de mama e a mortalidade. Kathryn Freeman Anderson fez um estudo, em 2004, para mensurar o quanto o racismo afeta a saúde das pessoas, incluindo ai a incidência de partos prematuros.

Foram analisados mais de 30 mil pacientes em no Sistema de Vigilância para Fatores de Risco e ela descobriu que 18% dos participantes negros havia sofrido estresse emocional e 10% deles estresse físico no período analisado. E o estresse, aqui, é sentido duas vezes. Não só porque por si só já faz mal ao corpo, mas pela tendência que temos de compensar sentimentos ruins com comida, álcool ou outras substâncias.

Um outro teste foi feito para comprovar a relação do estresse causado por discriminação e as doenças do corpo. Separou um grupo alunas e quis comparar latinas com brancas (estas eram treinadas pelos pesquisadores). Assim, pediu para que cada uma delas respondesse a um questionário sobre comportamento, incluindo perguntas sobre estereótipos raciais. Algumas das brancas deram respostas racistas, outras não. Daí pediram para as latinas preparassem um discurso de três minutos sobre “Como sou como parceira de trabalho” para apresentar a uma possível parceira de laboratório, branca.

Elas foram monitoradas em frequência cardíaca, eletrocardiograma e cardiografia de impedância. Antes de escrever, elas leram as respostas de suas parceiras. Quando pensavam que estava escrevendo para uma parceira de laboratório branca e racista, a pressão era mais alta, a frequência cardíaca também. A mera possibilidade de racismo já desencadeia uma resposta de estresse no organismo. Imagina quem vive sob constante ameaça?

José Soares Menezes receitou a Adriana Santos cadeados para emagrecer. Racismo e Sexismo. Imagem: Reprodução.

Em debate na corte dos Estados Unidos está a política da polícia de lá, chamada “Pare e Reviste”, cujo alvo, em sua maioria, são homens negros e latinos. Além dos problemas de direitos humanos, as revistas e a perfilização racial dos “suspeitos” causa danos na autoestima e traumatizam toda uma comunidade. Ainda assim, números mostram que 90% dos homens negros e latinos revistados pela polícia eram inocentes. Mas o medo fica incutido nas pessoas, que tem medo de serem os próximos. Casos de abusos sexuais, violência física, humilhações e ameaças acompanham as revistas policias naquele país.

Em NY chegaram ao ponto de haver mais paradas e revistas de jovens negros que o número de jovens! Mas não é só lá. Por aqui também vivemos com medo. Quantos não foram os casos de homens negros mortos pela polícia por terem sido confundidos com bandidos? Também temos essa discriminação tão enraizada em nossas vidas que achamos que é normal sermos tratados assim, vivermos com medo. Afinal, nas ruas, nas escolas, a polícia e a mídia nos trata assim, de forma a estigmatizar a população negra.

Mas ao menos uma realidade está mudando. Muito por esforço e trabalho da ANDI e do coletivo de jornalistas daqui de Salvador, o racismo velado nas publicações e matérias, especialmente em jornal impresso, estão mudando de enfoque. Apesar de, em geral, os jornais brasileiros separarem violência de racismo, não se dando conta de que muitos dos sujeitos e vítimas destas notícias são negros e pardos, algumas mudanças já se notam. Para começar, a seção deixou de se chamar Polícia para Segurança Pública. Depois que também tem se considerado a violência urbana como, inicialmente, um epidêmico caso de saúde pública.

O número de mortes é muito alto para se noticiar apenas como violência. Com isso é com muito orgulho e senso de que ainda há muito a ser feito que vejo o jornal A Tarde, daqui de Salvador, como o que mais notícias sobre racismo teve entre 2007 e 2010, mais de 200 textos. Na pesquisa da ANDI cinco jornais diários de circulação nacional e 40 de abrangência regional ou local foram analisados. Depois do A Tarde, o jornal com mais textos sobre racismo foi O Estado de São Paulo.

Com apoio das fundações Ford e W. K. Kellogg, a pesquisa no Brasil levantou mais de 1602 notícias. Nestas, apenas 3% citam chacinas ou violência contra a população negra. 12% das notícias foram sobre assuntos culturais ou de interesse nacional, 3,5% de economia. Apesar de tudo, os espaços nos jornais de grande circulação nacionais ainda são os que mais debatem questões raciais.  A construção deste espaço foi atribuída, pela pesquisa, aos movimentos sociais, com destaque para a o Movimento Negro. Os temas costumam ser as políticas afirmativas e dados e reflexões sobre desigualdade de raça/etnia. Um bom exemplo disso é a última capa da Isto É, sobre o sucesso das cotas no Brasil.

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