Obama não conseguiria ser presidente do Brasil, dizem especialistas

GABRIELA MANZIN, da Folha de São Paulo 

Eu gostaria de dizer que Obama poderia ser presidente do Brasil, mas não dá. Eu vivo isso no dia-a-dia”, disse o ministro da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, deputado federal Edson Santos. “Há uma resistência grande no Brasil à presença de negros em função de destaque, qualificada. Como negro, ele teria todas as dificuldades que nós, negros, temos no Brasil.”

Nos EUA, a secretária de Estado é Condoleezza Rice, que é negra. Aqui no Brasil, ainda não houve essa experiência. A presença do negro em um ambiente como esse, de Presidência da República, ainda não é vista com tranqüilidade na sociedade brasileira.

O ministro relata que, freqüentemente, percebe espanto nas pessoas, quando diz que é ministro. Houve um caso em um avião, por exemplo. Uma pessoa perguntou se eu e o meu assessor falávamos português. Dissemos que sim e um senhor emendou dizendo que eu era ministro. E a pessoa, então, perguntou ‘de qual igreja?’

 

Gaudêncio Torquato, consultor político e professor de comunicação política na USP, concorda com a falta de representatividade dos negros nos três Poderes. “Temos um ministro negro no STF [Supremo Tribunal de Federal], que é o [Joaquim] Barbosa. Mas, na política, eu não vejo grandes nomes. Comparativamente, no Brasil, seria mais fácil eleger uma mulher.”

Torquato concorda que eleger Obama presidente do Brasil, de uma vez só, só seria possível se ele tivesse musculatura política. “Do dia para a noite, seria complicado.”

Em outubro, o Datafolha perguntou aos brasileiros se eles votariam em Obama ou no rival dele, o republicano John McCain, em uma disputa presidencial brasileira; e o resultado deu Obama, mas só porque o rosto dele é mais popular, alertam os analistas do instituto.

Lula

“Em muitos termos, Lula [o presidente Luiz Inácio Lula da Silva] é o nosso Obama”. afirma o pesquisador Alberto Carlos Almeida, o autor dos livros “A Cabeça do Brasileiro” e “A Cabeça do Eleitor”. Segundo Almeida, em termos eleitorais, a diferença é que, enquanto nos EUA um candidato tem praticamente uma única chance, Lula disputou o cargo quatro vezes, acabando aos poucos com as barreiras do desconhecimento e do preconceito.

Para Almeida, o principal motivo pelo qual o caminho para o Palácio do Planalto é mais longo que o caminho para a Casa Branca é que, nos EUA, as primárias dos partidos tornam os dois candidatos conhecidos na mesma medida. “Lá, eles largam do mesmo ponto, quando começa a corrida em si. No Brasil, não.”

Por isso, conclui Almeida, para ser eleito no Brasil, Obama teria que passar por um processo de construção de imagem similar ao encarado por Lula.

O consultor de marketing político Chico Santa Rita discorda. Ele, que comandou, no segundo turno, a campanha presidencial de Fernando Collor de Melo, maior exemplo brasileiro de um candidato recém-chegado ao cenário político que conquistou o mais alto posto do país, acha que Obama teria chances no Brasil caso carregasse a mensagem certa no momento certo, assim como ocorreu com Lula e com o próprio Obama agora, nos EUA.

“Obama tem uma mensagem adequada ao momento americano. Com uma guerra que todo o mundo quer que acabe; desemprego altíssimo; crise na economia; vem o cara e diz ‘mudança na qual podemos acreditar’. É realmente muito forte. Lula também era a imagem da mudança no momento certo, e tá aí o torneiro mecânico que é presidente do Brasil. Nesse contexto, não vejo porque o presidente não poderia negro ou mulher.”

Democratas

No exterior, onde circula o estereótipo do Brasil miscigenado, consultores políticos do Partido Democrata apostam que Obama poderia, sim, chegar à Presidência do Brasil. “Eu penso que ele se sairia muito bem. O Brasil tem menos problemas raciais do que os EUA”, afirma Dane Strother, presidente da Strother-Duffy-Strother, empresa que elabora campanhas de mídia para políticos democratas nos EUA.

Obama é carismático, e carisma é algo que se traduz para toda cultura, conclui Stroher.

Onde quer que ele vá, as pessoas são atraídas a ele. Obama é uma celebridade.

Paul Maslin, analista político democrata há 30 anos, sócio da Fairbank, Maslin, Maullin & Associates, sediada em Madison, Estado de Wisconsin, também diz acreditar que o Brasil “seria mais receptivo, por ser multirracial e multicultural”. “Obama é o primeiro candidato a presidente multicultural que tivemos. Pai da África, mãe do Kansas, criado no Havaí e na Indonésia. Ele é o mundo todo.”

 

 

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