Onde ela escondia seu racismo?

Por George Oliveira

 

Um programa de televisão mostrou um vídeo com imagens onde uma professora universitária utilizava vários termos considerados racistas para ofender um segurança e alguns estudantes negros. Esse caso aconteceu em setembro de 2012 na Universidade Estadual do Pará (UEPA) e teve como principal vítima um segurança negro. Dentre os xingamentos, ela o chamou de “macaco”.

A Doutora em antropologia e professora de história das religiões afro na UEPA é acusada de injúria racial, que é uma forma mais “branda” de punição sobre casos de racismo. Alguns dias após o referido fato, ela fez um pedido de desculpa alegando que utilizou o termo “macaco no sentido de macaquices”. Um inquérito foi aberto pela polícia para julgar o caso.

Em Carta aberta, o Centro de Estudos e Defesa do Negro do Pará – CEDENPA – requer que a Reitora da Universidade do Estado do Pará analise o caso: “…conforme a natureza de crime de racismo e não como simples crime de injúria racial, pois o ferido em sua dignidade humana, não foi apenas o Sr. Rubens Silva, mas a “raça”(sob rasura) negra, tão vilipendiada pelos horrores do racismo e da discriminação racial, sobretudo porque, no Brasil, se vive hoje na constante busca de cumprimento aos direitos humanos de todos, revendo os erros cometidos no passado.”

A utilização do termo “Macaco” como xingamento reforça estereótipos racistas. A estratégia utilizada tem como objetivo atrelar à população negra uma imagem de primata, de selvagem e de instintivo. Assim como já foram (e ainda são) atreladas falsas imagens aos africanos escravizados, às mulheres negras (mulatas), à juventude negra e outros grupos. Atitudes como essas não permitem que a população negra tenha uma imagem positiva de si.

Criado para representar uma imagem negativa sobre o outro, o estereótipo é um eficaz instrumento de dominação e uma eficiente forma de agressão bastante difundida no Brasil. Segundo Ana Célia no livro A discriminação do negro no livro didático, “o estereótipo é uma visão simplificada e conveniente de um indivíduo ou grupo qualquer, utilizada para estimular o racismo”. Ainda sobre o estereótipo, cabe destacar mais um trecho deste livro: “… constrói idéia negativa a respeito do outro, nascida da necessidade de promover e justificar a agressão, construindo um eficaz instrumento de internalização da ideologia do embranquecimento.”

Cientistas de todo o mundo já realizaram pesquisas sobre os macacos. Em muitos casos, obtiveram resultados que os assemelham aos seres humanos e chegam a afirmar que descendem de um primata comum. Dentre as descobertas destaca-se que geneticamente têm cerca de 99% de semelhanças com os humanos. Analisaram os Chipanzés e perceberam que eles encaram a morte de forma similar aos humanos, conseguem resolver problemas de lógica e aprendem libras.

Após bastante tempo e dinheiro investidos, esses estudos ainda não serviram para mudança de certos comportamentos racistas. Uma contradição já que a maioria dessas pessoas costuma usar a ciência como explicação para quase tudo. Os estudos sobre a genética e os comportamentos dos macacos os assemelham com os humanos e não somente com os negros. Mesmo considerando que, do ponto de vista biológico, não existe uma superioridade entre os organismos, num caráter mais sociológico e antropológico nos permite alguns questionamentos: Embora os humanos tenham essa grande semelhança genética com os macacos, por que será que grupos e indivíduos racistas continuam utilizando esses animais como xingamentos? Seria essa semelhança somente entre a população negra e os macacos?

Os xingamentos atrelando à população negra uma imagem inferior e ruim revelam uma das mais comuns manifestações de racismo. Ao falar sobre o termo “macaco” como xingamento é importante relembrar equivocadas e racistas construções eurocêntricas que afirmavam a superioridade branca frente aos povos africanos. Provavelmente a professora estava imbuída por um sentimento como esse e sentiu-se no direito de atingir um segurança do local em que trabalha. O pedido de desculpas não a isenta da culpa (crime). Macaquice será deixar esse caso na impunidade!

Sobre estereótipos:

SILVA, Ana Célia. A Discriminação do negro no livro didático. 2ª ed. Salvador: EDUFBA, 2004.

Informações sobre a semelhança entre humanos e macacos:

Estudos reforçam semelhanças entre chimpanzés e seres humanos

O homem moderno evoluiu dos macacos

Veja reportagem e entenda mais sobre o caso citado no texto: “Macaco no sentido de macaquice”

Carta aberta do Centro de Estudos e Defesa do Negro do Pará – CEDENPA – à Reitora da Universidade do Estado do Pará:

Agradecimentos especiais para esta matéria: Rosana Rodrigues, Leonardo de Souza, Paulo Rogério Nunes e Fabrício Cruz.

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George Oliveira

Economista

Militante do Movimento Negro

Mestrando do CIAGS/UFBA

[email protected]

 

 

Fonte: Mariafro

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