Paris revive o trato colonial com a África

O reordenação internacional que sucedeu ao fim da guerra fria, manteve inalteráveis um conjunto de relações Norte-Sul, imobilidade que hoje permite identificar com toda clareza o essencial e o secundário de tais vínculos.

Em pouco tempo, a África foi testemunha de acontecimentos que fundamentam o critério dos laços do continente com suas ex-metrópoles, em especial com a França, que apoiada pelas Nações Unidas tomou parte ativa no conflito interno da Costa do Marfim.

Depois de concluir suas operações no palco marfinense, Paris participa como membro da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) na guerra contra Muamar Al Gadafi, enfrentado a um opositor Conselho Nacional de Transição (CNT) apoiado por potências ocidentais interessadas em apropriarem-se da riqueza petroleira de Trípoli.

A Aliança Atlântica fornece abertamente tecnologia bélica aos opositores, bombardeia alvos militares e civis para aplanar seu avanço, e estende-lhes tapete vermelho para seu reconhecimento internacional.

Para especialistas, a França trata, mediante ações de força, de recuperar o espaço de influência perdido desde a independência de suas ex-colônias africanas.

Ao mesmo tempo, onde Estados fortes ou sólidos recusam suas pressões, optam pela subversão em nome do “bom governo”, “a democracia” e “a governabilidade”.

A insistência em remarcar sua presença na África conduz Paris a dar uma resposta mais feroz às mudanças sofridas em suas conexões com o continente.

Em alguns países, como Costa do Marfim, ainda mantém sua presença militar, a mesma que respaldou ao atual mandatário Alassane Ouattara frente ao ex-presidente Laurent Gbagbo.

“O fim do bipolarismo Leste-Oeste com a subseqüente emergência de um mundo unipolar não significa para a África o fim da dependência, senão seu fortalecimento”, opina o politólogo e acadêmico congolês Mbuyi Kabunda Badi.

Para o também presidente da organização não governamental Sodepaz, “esse reforço se faz por meio de uma nova divisão de tarefas no bloco triunfante, na lógica da internacionalização de um pensamento único, com seus componentes econômicos, políticos e culturais”.

Essa reflexão de Kabunda trata de explicar que as intenções neo-colonizadoras da Europa (e em especial da França) persistem num contexto inovador, onde se aparenta a superação de velhos ideais de emancipação e são válidas as formas de fixação cada vez mais fortes, em contraponto à contemporaneidade.

Longa cadeia

A França possui uma história de exploração contra povos africanos que não se pode eludir em qualquer análise sobre seu papel como Estado imperialista, disposto a satisfazer seus interesses na concorrência com outras potências como Reino Unido e Estados Unidos.

Seus primeiros contatos com os sistemas tradicionais de auto-suficiência derivaram para o estabelecimento de um pacto colonial, cujo desequilíbrio é eloqüente e cada vez mais nocivo para a parte africana.

Hoje essa situação observa-se em toda sua amplitude na esfera econômica com o saque transnacional.

Paris não duvida em pôr em prática seus mecanismos coercitivos para além de suas fronteiras no caso em que falhe a garra oculta na luva de seda.

Por exemplo, sua presença militar na Costa do Marfim determinou seu comportamento para o presidente Gbagbo, negado a abandonar o poder depois de perder as eleições de 2010.

Uma força de paz da ONU, encabeçada por franceses, vigiou desde 2002 a divisão em dois do país e pouco a pouco essa formação foi-se parcializando até inimizar com o governante.

Ainda que a cena militar fosse confusa, por desconhecer-se naquele tempo a posição dos antigovernamentais comandados pelo hoje primeiro-ministro, Guillaume Soro, a quem os estrangeiros deram seu apoio, com o qual lhe facilitaram os planos a Ouattara.

Bases na África

A França tem quatro grandes bases militares no continente: Djibouti, no Chifre Africano; a Ilha de Reunião, no Índico; Senegal e Gabão.

Também tem tropas dispersas na Costa do Marfim, Chade e República Centro-africana.

Por isso os analistas consideram Paris um dos principais atores da ingerência militar ocidental na região.

Segundo o site larazon.es -que reproduz dados do Ministério francês de Defesa- Paris tem dispersos ou estabelecidos soldados no Senegal, Chade, Líbia, Costa do Marfim, Djibouti, República Centro-africana, Gabão e Somália (onde participa na Operação Atalanta).

Esses efetivos constituem a garra de ferro em suas relações com a África. A outra vertente ou luva de seda são as empresas.

Cerca de 700 companhias francesas controlam a economia marfinense, da lucrativa exploração dos campos de cacau e as exportações, à infra-estrutura e as telecomunicações.

Essas empresas pagam ao redor de 50 por cento do total de impostos ao país, segundo cifras oficiais.

Lenda marfinense

Laurent Gbagbo assumiu a presidência depois de umas eleições cujos resultados não foram validados por todos os elementos institucionais, o qual gerou uma disputa pela liderança nesse país da África ocidental.

Desde 2002, a Costa do Marfim estava dividida em duas. O centro econômico (Abidjã) era controlado por Gbagbo, mas um grupo armado de ex-militares ocupava o norte e sudoeste do país, onde se acha a capital, Yamoussoukro.

Outro aspecto decisivo nesse contexto foi o opositor Ouattara, que no meio da luta pelo poder contava com o respaldo francês, das tropas da ONU e dos insurgentes.

A força das Nações Unidas vigiava a divisão do país e devia monitorar uma reconciliação nacional, algo que esqueceu ao priorizar os objetivos estratégicos das companhias francesas que investiram mais de 370 bilhões de dólares na Costa do Marfim.

Gbagbo entrou numa crise irreversível e caiu. Paris tomou as rendas do assunto e seus militares e companhias fizeram o resto para completar o quebra-cabeças. Ouattara ratificou sua conivência com a ex-metrópole e o pacto colonial segue funcionando.

Ante a ingerência estrangeira, hoje se perfila como uma necessidade impostergável cumprir a máxima de ilustres pensadores africanos que aconselha resolver os próprios problemas entre os habitantes mesmos do continente.

* Jornalista da Redação África e Oriente Médio da Prensa Latina.

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