Pesquisadora aponta falta de políticas para diminuir mortalidade materna de mulheres negras no DF

Maioria das mortes de grávidas e purpúreas seriam evitáveis com melhor atendimento

“O Brasil é um país muito difícil para uma mulher negra ser mãe, por diversos fatores, dentre eles as dificuldades de acesso a saúde pública, até a violência obstétrica”, afirmou a pesquisadora Marjorie Nogueira Chaves, coordenadora do Observatório da Saúde da População Negra (Nesp/FS) da Universidade de Brasília. Marjorie listou diversos fatores que contribuem para a mortalidade de mulheres negras ser maior que outros grupos, conforme mostra o Painel de Monitoramento da Mortalidade Materna, do governo federal.

“São várias questões, mas é preciso ter atenção com as questões étnico-raciais dentro do SUS, porque precisamos dialogar sobre racismo para que o atendimento as mulheres negras melhore”, defendeu a pesquisadora da UnB. Ela cita que o Brasil já tem instrumentos para o enfrentamento ao problema, como a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra, instituída pelo governo federal em 2009, mas que não foi implementada no DF. “Instrumentos já existem, mas não tem nenhuma ação concretizada no DF para essa política [saúde da população negra]”, acrescentou.

De acordo com o Painel de Monitoramento da Mortalidade Materna, 66.248 mulheres morreram no Brasil em 2023 em decorrência de gravidez, sendo 896 no Distrito Federal. O número de mortes é considerado alto por especialistas, sobretudo porque a maior parte dos óbitos ocorrem por falta de atendimento de saúde adequado, afirma a médica especialista em Saúde Reprodutiva, Ana Maria Costa.

O painel, que traz dados desde 1996, mostra que o pico de mortes maternas no país foi em 2021, ano em que 94.826 mulheres grávidas ou puérperas morreram, sendo 1.096 no DF. Em 2022, esses números caíram para 95.154 no Brasil e 793 no Distrito Federal.

As mulheres negras (pardas e pretas) seguem sendo o maior grupo vítima da mortalidade materna: são 58% das vítimas no Brasil e 61% no Distrito Federal em 2023. “O fato da necessidade de peregrinação para o atendimento é uma das principais causas.  A mulher precisa passar por dois ou três hospitais para conseguir atendimento e infelizmente algumas vêm a óbito, em sua maior negra”, destacou a Marjorie.

Em abril, o caso de uma mulher negra grávida que morreu depois de não ser atendida no Hospital Regional de Taguatinga (HRT) exemplifica a situação. Aos 30 anos, ela estava grávida de dois meses, passou mal e buscou atendimento no Hospital Regional de Taguatinga [HRT], mas foi transferida para os hospitais de Samambaia e depois Ceilândia, antes de falecer. Segundo relato do marido nas redes sociais, os profissionais do HRT informaram que a mulher não pode ser atendida, porque não morava em Taguatinga. Dias depois o HRT exonerou a médica que teria negado o atendimento a mulher.

A pesquisadora do Observatório da Saúde da População Negra listou os problemas que normalmente incidem mais sobre as mulheres negras: violência obstétrica, necessidade de transporte público para ter acesso ao atendimento de saúde, necessidade de trabalhar até a véspera do parto e falta de integração entre os sistemas primário, secundário e terciário de saúde. “São todos problemas que incidem mais sobre as pessoas mais vulneráveis economicamente e negras e por isso podemos falar em racismo obstétrico e injustiça reprodutiva”.

Marjorie Chaves é coordenadora do Observatório da Saúde da População Negra/UnB / Arquivo Pessoal

Morte evitável

“A mortalidade materna é um evento nefasto, porque ocorre pelo mau atendimento, ou seja, é uma morte evitável”, apontou a médica especia Ana Maria Costa. Segundo ela, a principal causa da mortalidade materna é a eclâmpsia, que pode ser facilmente identificada e controlada no atendimento pré-natal. Já as outras causas estão relacionadas a infecções e hemorragias, em grande parte grande estão associadas ao aborto ou a tentativa de aborto sem assistência.

Ao falar especificamente do DF, Ana Costa lembra que todas as etapas do atendimento a saúde pública estão precarizados. “No DF, a gente vem tendo uma piora gradativa do sistema de atendimento e as mulheres aqui precisam  peregrinar para ser assistidas. É o resultado do pouco caso do governo do DF”, analisou a médica especialista  “O governo central [federal] não faz serviço, mas política e libera os recursos. Quem deveria executar é o GDF e a gente sabe que a situação da saúde aqui é um escândalo”, acrescentou.

GDF

Em nota, a Secretaria de Saúde do Distro Federal (SES/DF) informou que o Plano Operativo Distrital de Implantação da Política Nacional de Saúde da População Negra (PNSIPN) encontra-se em fase final da construção.

De acordo com a Pasta foram realizadas 4 oficinas de trabalho com vistas a elaborar e propor ações, capacitações e metas que dialogassem intrinsecamente com a dinâmica do Sistema Único de Saúde (SUS) e com a realidade do Distrito Federal (DF). “Aponta-se, ainda, que tal Plano Operativo tem como finalidade estabelecer as estratégias que nortearão a implementação PNSIPN no Distrito Federal, buscando, dessa forma, o enfrentamento das iniquidades e desigualdades em saúde com enfoque na abordagem étnico-racial”, destacou a nota.

Segundo a pasta, a construção do PNSIPN foi fruto de um trabalho coletivo nas oficinas realizadas a partir da parceria entre a Gerência de Atenção à Saúde de Populações em Situação Vulnerável e Programas Especiais (GASPVP) e o Observatório de Saúde da População Negra da Universidade de Brasília (NESP/UnB) e que teve participação de estudantes, membros e membras do Comitê Técnico de Saúde da População Negra (CTSPN), trabalhadoras e trabalhadores da Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal (SES/DF)  e sociedade civil.

“Além disso, a SES/DF e a UNB aderiram ao Programa PET Saúde Equidade. Neste programa, um dos grupos de estudo e intervenção vem tratando da temática “gênero, sexualidade, raça, etnia e maternidades”, acrescentou a nota.

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