PL do novo PNE apresenta avanços em equidade e dá primeiro passo em financiamento, mas precisa de melhorias estruturais e traz também retrocessos

Embora represente uma vitória da sociedade civil ao manter o patamar de 10% do PIB para a educação, vinculado ao CAQ, PL nº 2.614/2024 precisa sinalizar como será a articulação da política educacional com planos de desenvolvimento econômico e social

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(Foto: Getty/ Reuters/ PRBK)

O Projeto de Lei (PL) nº 2.614/2024, que prevê um Plano Nacional de Educação (PNE) para o período de 2024-2034, apresenta avanços relacionados à equidade e dá um primeiro passo para o financiamento, mas precisa sinalizar como deve ser a articulação da política educacional com planos de desenvolvimento econômico e social que viabilizem a realização dos objetivos, metas e estratégias do novo PNE, o que esta proposição, advinda do Ministério da Educação, não contempla. 

É o que defende a Nota Técnica da Campanha Nacional pelo Direito à Educação divulgada nesta segunda (01/07), com análise comparada entre o que está previsto no PNE atual (Lei 13005/2014), nas proposições da Conae 2024, e na proposta entregue pelo MEC ao Congresso para o novo Plano.

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O PL nº 2.614/2024 tramita no Congresso Nacional após envio do governo federal na última semana. A Campanha apresentou na terça (25/06) o Balanço do PNE 2024, que abrange os 10 anos da vigência do PNE 2014-2024, em audiência pública na Câmara dos Deputados. O levantamento aponta que 90% das metas do Plano foram descumpridas, 10% foram cumpridas, 13% sofreram retrocesso e 35% têm lacunas de dados.

O texto do PL apresentado pelo MEC para o novo PNE avança “ao trazer uma perspectiva mais transversal de explicitação da igualdade e equidade ao longo das metas – ainda que não seja específico o suficiente em diversas delas”, diz a Nota Técnica.

O primeiro passo sobre o financiamento se refere à manutenção do patamar de investimentos previsto para a educação no decênio de 10% do Produto Interno Bruto (PIB), vinculado ao Custo Aluno-Qualidade (CAQ) – defesas históricas da Campanha. “Esta proposta foi uma vitória da sociedade civil para o PNE atual e demanda da sociedade nas Conferências Nacionais de Educação (Conaes) e Conferências Nacionais Populares de Educação (Conapes) desde 2010. Reconhecemos ao longo desta Nota Técnica, em cada temática, os avanços principais nas temáticas elencadas”, pontua a Nota Técnica.

Há retrocessos, contudo. O indicador de gasto per capita por estudante como percentual do PIB equivalente à média da OCDE não é ideal, pois depende de variáveis contextuais. A sugestão de atingir o Custo Aluno-Qualidade Inicial (CAQi) no terceiro ano, com possibilidade de comparação com a média de gasto por aluno em dólar com paridade do poder de compra (PPP, na sigla em inglês) até o quinto ano, é mais apropriada para a educação básica.

Comparado ao texto da Conae, o PL é omisso quanto a novas fontes de receita ou à recomposição das receitas da educação, como a diminuição das renúncias fiscais, e também não aborda a tributação em geral e a proteção da educação frente às políticas fiscais. É necessário, por exemplo, reforçar, na estratégia 18.12, a destinação do salário-educação à educação básica pública.

Segundo a Campanha, há também a necessidade de substantivas melhorias estruturais e específicas. “De forma estrutural, o novo PNE precisa sinalizar, em suas disposições preliminares, diretrizes e objetivos (capítulos I, II e II), a necessidade de articulação da política educacional a planos de desenvolvimento econômico e social. (…) Para tal realização, é necessária ainda uma previsão de avaliação institucional e estrutural das políticas, extensamente debatida e referenciada no texto da Conae 2024 – como a exemplo pela regulação e implementação do Sistema Nacional da Avaliação da Educação Básica (Sinaeb) – e muito mais ampla do que a perspectiva restrita à aprendizagem, que consta em peso nesta nova proposta.”

Para a entidade, é primordial não retroceder em relação ao PNE atual e ousar em percentuais para o alcance de objetivos e metas, e acelerar seus prazos, “dado que chegamos ao final do decênio do PNE 2014-2024 com um avassalador descumprimento, que precisa e deve ser recuperado, dado o impacto negativo sistêmico sentido não somente na violação de direitos como também em nosso desenvolvimento socioeconômico e sustentável”.

Destaques de ausências no texto são a falta de uma ousada política de educação para a justiça climática e para a proteção socioambiental. “Não foi por falta de demanda e proposição social, dado que a Conae 2024 dedicou um eixo inteiro a estas temáticas”, salienta a Nota Técnica. Para a Campanha, essa política deve discutir, ensinar e produzir conhecimento, ciência e tecnologia sobre renovação matrizes energéticas, meios produtivos, consumo de bens e serviços e preservação e organização dos espaços sociais (territórios); dinamizar o ciclo econômico; e, associada a uma política de renda básica de cidadania e proteção e valorização do trabalho e do trabalhador, criar frentes de oportunidades e expectativas sobre os processos de formação escolar.

Sobre a cruel competição que acomete os estudantes (ter que decidir entre estudar ou arrumar uma forma de sobrevivência), a única menção no PL sobre a criação de condições para que essa cruel competição não ocorra está na estratégia da Educação de Jovens, Adultos e Idosos (EJA) – 10.5, referente a compatibilização de jornada de trabalho –, com proposição absolutamente insuficiente.

“Também chama atenção no plano o apagamento e a invisibilização da discriminação pelas questões de gênero e orientação sexual, da formação para a proteção e inclusão desses grupos sociais, e da proteção e promoção de políticas para pessoas em situação de migração e refúgio”, aponta a Campanha.

“Por fim, nota-se, ainda, a falta de pensamento estratégico na articulação intersetorial da educação com a cultura, artes e esportes e na vinculação da formação escolar com a proteção ao direito à alimentação adequada, à saúde e a um ambiente social e ecologicamente saudável, todos desafios sociais inadiáveis e interligados com a Educação em Direitos Humanos (EDH) e a educação popular, que deveria ter mais centralidade também, dado que há proposição específica da Conae sobre o tema.”

A Nota Técnica enfatiza que, ao comparar a proposição do PL 2.614/2024, do novo PNE,  com a Lei 13.005/2014, do PNE atual, e as proposições da Conae 2024, não se propõe a fazer uma análise exaustiva sobre a proposição, dada a necessidade de mais tempo e debates para tal, o que se espera que seja feito com o devido aprofundamento no Congresso Nacional, sem açodamento, considerando a relevância da agenda. “Esta Nota propõe-se a trazer primeiras análises e fomentar o debate crítico e necessário para este momento crucial de decisão sobre os futuros de nossa população e de nosso país.”

Etapas, modalidades e metas para profissionais da educação 

Nota Técnica analisa o PL considerando etapas, modalidades e níveis da educação, assim como temas essenciais para a garantia do direito à educação: alfabetização, desigualdades, profissionais da educação, financiamento, gestão democrática, entre outros.

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