“Polícia Militar reproduz métodos da ditadura”

Para Nadine Borges, integrante da Comissão Estadual da Verdade do Rio de Janeiro, policiais infiltrados são legado autoritário da ditadura

Vivian Virissimo

Prisões ilegais e policiais infiltrados são exemplos contundentes que métodos da ditadura são praticados até hoje pela Polícia Militar (PM). Essa é a opinião de Nadine Borges que faz parte da Comissão Estadual da Verdade do Rio de Janeiro. Em sua avaliação, somente a investigação atenta dos fatos do passado e do presente pode evitar que ditaduras voltem a assombrar o país. “Se aceitarmos de maneira pacífica os abusos do Estado podemos novamente viver uma ditadura”, alerta. Nesta entrevista, Nadine analisa a conduta da polícia nas recentes manifestações.

nadine borges reproducao

Brasil de Fato – O que motiva a comissão a monitorar as práticas atuais da segurança pública?

Nadine Borges – Não temos como investigar o passado sem nos preocuparmos com o presente. Esse ‘ontem’ não resolvido é o que permite a continuidade das violações no ‘hoje’. Além disso, um dos deveres da comissão é recomendar a adoção de políticas públicas para evitar a repetição das violações de direitos humanos.

Nas manifestações, a PM atuou com infiltrados. Como você avalia essa conduta?

O padrão é o mesmo da ditadura. A prática não mudou em nada. O que vivemos no último período demonstra que esse legado autoritário continua presente na atuação das forças policiais que são despreparadas para garantir a ordem pública e a integridade das pessoas. Detenções ilegais são práticas de Estados autoritários.

E o uso abusivo de bombas e balas de borracha para conter manifestações pacíficas?

Isso ocorre principalmente pelo despreparo dos agentes policiais. Eles reproduzem métodos da ditadura porque não recebem uma formação adequada. Policiais infiltrados desrespeitam os cidadãos que possuem ampla defesa. Pessoas foram detidas sem ter investigação contra elas. Essa arbitrariedade é resquício da ditadura que alimenta uma cultura de medo e impede a livre manifestação do pensamento, direito que foi conquistado depois de séculos de luta e resistência. Um Estado de exceção é criado quando temos medo daqueles que deveriam nos proteger.

Outro episódio envolveu Bruno Teles, acusado de portar uma mochila com coquetéis molotov. Depoimentos de policiais revelaram que essa versão era falsa. Esse tipo de comportamento era comum na ditadura?

Era. Porque foi na época da ditadura que surgiu essa ideia de prisão arbitrária. Prende primeiro e depois investiga. Isso era corriqueiro contra a militância que era detida ‘para averiguação’. Isso é similar ao que aconteceu agora. Mesmo assim, afirmo que não podemos perder a confiança no Estado, caso contrário corremos o risco de viver um estado de guerra.

Recentemente, um decreto do governo Cabral dava poderes a uma comissão que poderia violar a privacidade de suspeitos de vandalismo. A medida gerou protestos e foi descartada. Por que o Estado não pode agir dessa forma?

Porque temos uma Constituição e isso fere os princípios basilares do Estado Democrático de Direito. O Estado não pode desrespeitar a liberdade de expressão e de pensamento. Isso gera insegurança e medo de que a história se repita. Se não ficarmos atentos e alertas, a barbárie pode se repetir. Se aceitarmos de maneira pacífica os abusos do Estado, podemos novamente viver uma ditadura. É o que acontece, por vezes, na atuação da polícia em execuções sumárias que ocorrem na periferia. E, nos últimos dias, em regiões da cidade que não estavam acostumadas a viveram a truculência da polícia. Por isto repito: precisamos formar os policiais.

Após manifestação dos 300 mil, o secretário de segurança Mariano Beltrame defendeu a atuação do Exército contra o povo que pedia melhores condições de vida. Qual a sua opinião sobre isso?

O uso das Forças Armadas só pode ser justificado em casos previstos em lei. De forma alguma o que ocorreu no Rio nesses dias justificaria a presença do Exército. Por isso se fala na necessidade de desmilitarização da polícia. A polícia não pode ter o cidadão como inimigo. A polícia tem outro papel: garantir a ordem e a integridade das pessoas. Não se pode inverter isso.

Foto: Danilo Verpa/Folhapress


Fonte: Brasil de Fato 

+ sobre o tema

Abordagem de Natal na UPP Chapéu Mangueira

Na segunda feira (22) a UPP Chapéu Mangueira/Babilônia realizou...

Seminário Racismo, Igualdade e Políticas Públicas

Bom dia a todas e todos. Agradeço inicialmente ao Inesc...

O nome da manada

Alarmado com o vandalismo inqualificável em Brasília, um colega...

Israel admite erros na relação com sua comunidade etíope

Presidente Reuven Rivlin afirma que protestos violentos em Tel...

para lembrar

Como o filme “Preciosa” contrariou a narrativa do white savior

Embora em meados dos anos 1980 com o poema...

Loja de luxo suíça nega racismo contra Oprah Winfrey

A proprietária de uma loja luxuosa em Zurique, na...

Mulher é presa por xingar trabalhador negro de ‘macaco’

Durante ação de despejo na BR-364, em Rondonópolis, na...
spot_imgspot_img

Ação afirmativa no Brasil, política virtuosa no século 21

As políticas públicas de ação afirmativa tiveram seu marco inicial no Brasil em 2001, quando o governador do Rio de Janeiro Anthony Garotinho sancionou...

Decisão do STF sobre maconha é avanço relativo

Movimentos é uma organização de jovens favelados e periféricos brasileiros, que atuam, via educação, arte e comunicação, no enfrentamento à violência, ao racismo, às desigualdades....

Por que o racismo é uma crise de saúde

Quando Layal Liverpool era adolescente, na Holanda, ela começou a observar pequenas manchas sem pigmento no rosto e nos braços. O médico receitou antibióticos e...
-+=