Por que a desigualdade é ruim também para os ricos. Por Paulo Nogueira

 

 

Paulo Nogueira,

É um erro imaginar que os privilegiados lucram com a iniquidade.

Escrevi certa vez para a Exame um artigo sobre um tema que provoca nervosas, apaixonadas, raivosas discussões mundo afora neste momento: a desigualdade social, um processo que ganhou velocidade galopante nas últimas três décadas.

Vejo, satisfeito, que a BBC foi a fundo no assunto, e preparou um documentário chamado “The Wealth Gap” – a disparidade da riqueza, numa tradução livre.

Onde a iniquidade mais se manifesta é nos obcenos salários dos CEOs, os presidentes de empresas. Peter Drucker, o papa da moderna administração, dizia que a relação entre o salário de um presidente e o da média dos funcionários não poderia ser superior a 25 para 1. Ou então se rompiam coisas fundamentais para o sucesso de um empreendimento, como o sentimento de time.

Na Viacom, multinacional americana, o CEO em 2010 ganhou quase 2 000 vezes mais que a média dos empregados: mais de 80 milhões de dólares. Há muitos outros casos. Um levantamento do Senado americano mostrou que a renda do 1% mais rico dos Estados Unidos cresceu 275%  entre 1979 e 2007. Os 20% de baixo da tabela viram sua renda crescer apenas 18%.

Na Inglaterra, atingida por uma crise econômica persistente, os salários dos CEOs das 100 maiores empresas listadas na Bolsa de Valores de Londres cresceram mais de 40% no ano passado – numa desconexão completa com o panorama do país.

Como os governos podem pedir sacrifícios à população quando uma elite ganha mais dinheiro que nunca e comanda uma concentração de renda absurda e injusta?

Uma das reações a esse quadro está na série de protestos que se espalharam pelo mundo sob o guarda-chuva do imperativo “Ocupe”. Os 99% estavam dizendo basta ao 1% ganancioso que se beneficia de sua proximidade com o poder para extrair vantagens indecentes.

Constato que a BBC mudou de tom em relação aos protestos. Os manifestantes que acampavam em frente da Catedral de São Paulo, em Londres, eram chamados, antes, de “anticapitalistas” pela BBC. Depois, a BBC reconheceu que os protestos são contra a “ganância” corporativa e executiva.

Desigualdade em excesso gera mais crimes, mais insegurança etc etc. Por isso o tema é de interesse público, a despeito de ideologias. Estudos mostram que em países onde a diferença é menor, como no Japão e na Escandinávia, a vida é melhor – para todos, ricos e pobres. Um estudo do epidemiologista Richard Wilkinson que mostra isso tem sido intensamente lido e debatido por homens públicos nos países ricos.

Reduzir as desigualdades sociais é provavelmente o maior desafio do mundo moderno. Ou os governantes se mexem ou os próximos tempos serão plenos de tumultos, porque a paciência e a resignação dos excluídos têm limite — e isso ao longo da história já se manifestou em coisas como reis guilhotinados.

O jornalista Paulo Nogueira, baseado em Londres, é fundador e diretor editorial do site de notícias e análises Diário do Centro do Mundo.

 

Fonte: DCM

+ sobre o tema

Operação resgata 12 pessoas em condições análogas à escravidão

A Polícia Federal (PF), em parceria com o Ministério...

A saga de uma Nobel de Economia pelo ‘Pix do desastre climático’

Mesmo com seu Nobel de Economia conquistado em 2019,...

Vitória da extrema direita na França afetará guerras, Mercosul e clima

Uma vitória da extrema direita ameaça gerar um profundo...

para lembrar

Missão brasileira participa de homenagens a Samora Marchel em Maputo-Moçambique

A comitiva brasileira, em missão na África desde segunda,...

17/09 – Na BA, Jaques Wagner tem 53%, e Paulo Souto, 16%, diz Datafolha

Pesquisa foi realizada na segunda-feira (13) e na terça...

Colombianos vão às urnas neste domingo (29) para escolher novo presidente

Neste domingo (29), mais de 39 milhões de eleitores...

Legados e Riquezas

Em uma realidade hiperpolarizada, Maria Alice Setubal, 69, é...

Extrema direita francesa choca com slogan: ‘Dar futuro às crianças brancas’

O avanço da extrema direita na França abre caminho para campanhas cada vez mais explícitas em seu tom xenófobo. Nesta semana, um dos grupos...

Supremocracia desafiada

Temos testemunhado uma crescente tensão entre o Poder Legislativo e o Supremo Tribunal Federal. Essa tensão não decorre, no entanto, apenas do ressentimento de...

Na USP, professor deixa legado de R$ 25 milhões – e um recado às elites

Stelio Marras é professor e pesquisador do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) e construiu toda sua carreira acadêmica na Universidade de São Paulo (USP), da graduação...
-+=