Produtor de cinema é ameaçado por segurança em shopping: ‘Não vou ser mais uma vítima silenciada’

Caso aconteceu dentro do banheiro do Rua da Praia Shopping, em Porto Alegre

O produtor de cinema Jeferson Silva foi ao Rua da Praia Shopping, no centro de Porto Alegre, na última quarta-feira (11), como tantas outras vezes. Iria almoçar com a mãe, que estava de aniversário no dia anterior. Saiu de lá tremendo, assustado e indignado após ter tido uma arma apontada contra si, empunhada por um segurança do estabelecimento.

Silva conta que estava olhando as vitrines das lojas, não entrou em nenhuma, e depois foi ao banheiro, localizado próximo à Praça de Alimentação. Dentro do local, enquanto lavava as mãos, foi surpreendido ao ser abordado por um policial à paisana.

“Sem mais nem menos, sem qualquer suspeita, sem qualquer justificativa”, contou Silva, em vídeo divulgado numa rede social.

O produtor diz que pediu para o homem se identificar. Como resposta, o indivíduo colocou as mãos na cintura e disse para Brum levantar os braços por que a abordagem “não era brincadeira”. “Eu pedi uma identificação e ele apontou uma arma pra mim”, recorda Silva, integrante do Coletivo Macumba.

Naquele momento, ele se lembrou de Luis Carlos Gomes, homem negro, deficiente físico, espancado no banheiro do Carrefour em São Bernardo do Campo (SP). Lembrou também de João Alberto Silveira Freitas, outro homem negro, acusado de discutir com uma funcionária do Carrefour, em Porto Alegre, e depois imobilizado e asfixiado até a morte por seguranças do mercado.

No primeiro momento, o produtor de cinema se negou a dar informações, convicto de que não é obrigado a dar explicações para estranhos, em tom de interrogatório e sob truculência sem motivo.

“Com a negativa, ele perdeu a razão e apontou a arma pra mim. Acuado e com medo, ergui as mãos e dei as informações que ele pediu: onde morava, o que tava fazendo no shopping, de onde eu vinha, quem são meus pais. Todas minhas informações pessoais, sem nenhum relação com qualquer tipo ou coisa que ele me acusasse”, explica Silva, com os olhos marejados.

Depois de responder as questões e de ser ameaçado por uma arma, sentindo-se humilhado, Silva foi até a administração do shopping buscar ajuda. Foi atendido em pé, no saguão de entrada. Recebeu um pedido de desculpas e um cartão com telefones que, logo depois, não atendiam suas chamadas.

O produtor então registrou um boletim de ocorrência contra o segurança do Rua da Praia Shopping. A sensação, diz ele, é de impotência, além do receio por ter dito onde mora e os nomes dos pais.

“Tremendo, fui pra casa. Na metade do caminho, me dei conta que não fiz nada de errado. Não entendi o porquê de tanto medo se sou inocente. É porque a quantidade de melanina na minha pele me faz parecer suspeito, é porque mesmo com duas faculdades, sou preto. Fui ameaçado e temi pela minha vida, mas poderia ter sido mais uma estatística, que serviria apenas de número num gráfico na mesa do governador”, relata.

Consciente do racismo estrutural na sociedade, Silva conta que o medo de morrer, de ser mais uma vítima, lhe fez sentir toda a pressão do contexto que assola o País. “Não vou deixar que isso passe em vão. Não vou ser mais uma vítima silenciada.”

Outro lado

A reportagem do Sul21 entrou em contato com a administração do Rua da Praia Shopping pedindo explicações sobre o incidente e, até o momento, não houve retorno. Com a repercussão do caso nas redes sociais, o estabelecimento respondeu diretamente na postagem feita pelo produtor cultural e informou que o segurança não integra a equipe do shopping, e sim é um colaborador exclusivo contratado pela loja Lebes.

“Em primeiro lugar, sobre o ocorrido com o cliente Jeferson Silva, o Rua da Praia Shopping se solidariza com a sua dor. Nossa empresa não admite qualquer tipo de ato racista e desagregador. Toda ação e posicionamento são pensados a priorizar, em primeiro lugar, o respeito ao ser humano, repudiando qualquer ato de discriminação. Cabe esclarecer que nossos orientadores recebem treinamento qualificado e constante, com todo o foco em valores ligados ao respeito e em defesa da igualdade, integridade e diversidade, de maneira a repudiar intolerâncias de qualquer natureza. Como providência, enviaremos comunicado às lojas pedindo o máximo de cuidado com os profissionais que contratam, e que estejam efetivamente treinados nos mesmos moldes aqui mencionados, em alinhamento com os valores do Shopping, que jamais tolerariam qualquer tipo de abuso e discriminação”, afirmou o Rua da Praia Shopping.

Também por rede social, a lojas Lebes se pronunciou afirmando repudiar qualquer ato discriminatório, de preconceito social, racial, religioso ou de qualquer natureza. “Estamos apurando com urgência os fatos e vamos tomar todas as medidas possíveis para esclarecer a situação”, declarou a empresa.

+ sobre o tema

Em Rosarno só querem nos matar”, diz morador de cidade italiana que sofre violência racista

por Miguel Mora Em Rosarno (Itália)Centenas de imigrantes fogem da...

Azealia Banks é vítima de racismo e agressão por Russell Crowe em festa

A noite do último sábado, 15, não foi nada...

Com 50 anos de atraso, Brasil discute cotas no STF

    NESTA SEMANA, BARACK OBAMA SENTOU NO MESMO BANCO DE...

Sobre a falta de coroas: A dificuldade de se reconhecer homem negro tendo cabelo liso

Eu preciso confessar uma atitude que venho tendo, de...

para lembrar

Genocídio: estudo revela programa de esterilização para reduzir negros nos EUA

Um programa de esterilização realizado no estado da Carolina...

Estado tem pelo menos quatro grupos neonazistas

RIO — Há exatamente um mês, a prisão em...

Cotas raciais em concursos públicos é tema de audiência promovida pela PFDC

A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC/MPF)...

A história da estátua censurada em São Paulo por mostrar um beijo inter-racial

Ela tem uma história de vida inusitada para uma...
spot_imgspot_img

Ação afirmativa no Brasil, política virtuosa no século 21

As políticas públicas de ação afirmativa tiveram seu marco inicial no Brasil em 2001, quando o governador do Rio de Janeiro Anthony Garotinho sancionou...

Decisão do STF sobre maconha é avanço relativo

Movimentos é uma organização de jovens favelados e periféricos brasileiros, que atuam, via educação, arte e comunicação, no enfrentamento à violência, ao racismo, às desigualdades....

Por que o racismo é uma crise de saúde

Quando Layal Liverpool era adolescente, na Holanda, ela começou a observar pequenas manchas sem pigmento no rosto e nos braços. O médico receitou antibióticos e...
-+=