Quando me descobri negra por Bianca Santana

texto de 2005, publicado cinco anos depois

Sou negra há menos de um ano. Antes, era morena. Minha cor era praticamente travessura do sol. Era morena para as professoras do colégio católico, coleguinhas — que talvez não tomassem tanto sol — e para toda a família que nunca gostou do assunto. “Mas a vó não é descendente de escravos?”, eu insistia em perguntar. “E de índio e português também”, era o máximo que respondiam sobre as origens da avó negra. Eu até achava bonito ser tão brasileira. Talvez por isso aceitasse o fim da conversa.

Em agosto do ano passado, quando fui fazer uma reportagem na Câmara Municipal, passei pela rua Riachuelo onde vi a placa “Educafro“. Já tinha ouvido falar sobre o cursinho comunitário, mas não conhecia muito bem a proposta. Entrei. O coordenador pedagógico me explicou a metodologia de ensino com a cumplicidade de quem olha um parente próximo. Quando me ofereci para dar aulas, seus olhos brilharam. Ouvi que como a maioria dos professores eram brancos, eu seria uma boa referência para os estudantes negros. Eles veriam em mim, estudante da Universidade de São Paulo e da Faculdade Cásper Líbero, que há espaço para o negro em boas faculdades.

Saí sem entender muito bem o que tinha ouvido. Fui até a Câmara dos vereadores, fiz a entrevista, e segui minha rotina. Comecei a reparar que nos lugares onde freqüento as pessoas também não tomam tanto sol. O professor do Educafro toma. Será por isso que ele me tratou com tanta cumplicidade?

Pensei muito e por muito tempo. Não identifiquei nada de africano nos costumes da minha família. Concluí que a ascensão social tinha clareado nossa identidade. Óbvio que somos negros. Se nossa pele não é tão escura, nossos traços e cabelos revelam nossa etnia. Minha mãe, economista, funcionária de uma grande empresa, foi branqueada como os mulatos, que no século XIX passavam pó-de-arroz no rosto porque os clubes não aceitavam negros.

Eu fui branquedada em casa, na escola, no cursinho e na universidade. Como afirma o cientista político Francisco Weffort, no texto Branqueamento, “a expropriação imaginária das glórias dos negros o branqueamento apagou, especialmente para os pobres, o exemplo de líderes que podiam sugerir-lhes outros caminhos, além da humilhação cotidiana”. Ainda em busca de identidade afirmo com alegria que sou negra há menos de um ano. E agradeço ao professor que pela primeira vez, em 21 anos, fez o convite para a reflexão profunda de minhas origens.

Maternidade é acusada de racismo após texto sobre alisamento

O racismo nosso de cada dia escancarado no meu cabelo, por Bianca Santana

Branquitude e poder – a questão das cotas para negros

 

Fonte: Bianca Santana

+ sobre o tema

Jovem é preso com centenas de símbolos neonazistas no centro de SP

A Polícia Civil de São Paulo apreendeu nesta quarta-feira (26) centenas...

Porte de maconha para uso pessoal: entenda como fica a proposta em análise no Congresso após a decisão do STF

O Supremo Tribunal Federal (STF) deve concluir, nesta quarta-feira...

STF retoma julgamento sobre descriminalização de maconha

O Supremo Tribunal Federal (STF) retoma nesta terça-feira (25)...

Deputadas do PSOL entram na Justiça para suspender censura a livro sobre mulheres na ciência

As deputadas Fernanda Melchionna (PSOL-RS) e Sâmia Bomfim (PSOL-SP) entraram com uma representação...

para lembrar

O mundo não entende o “mundo ao contrário” do golpe brasileiro

A comunidade mundial está perplexa. Não consegue entender direito...

Quarenta jovens europeus morrem por violência todo dia

Mais de 15 mil jovens morrem anualmente por...

CPLP aprova modelo para criar centros de operações de paz

- Fonte - Lusa Agência de Notícia de Portugal...

Graças à internet, ‘facilitamos muito para quem odeia’, diz Leandro Karnal

Historiador e um dos palestrantes mais requisitados do país...

Metade das crianças violentadas foi agredida mais de uma vez

O Brasil registrou 58,3 mil casos de estupro de crianças e adolescentes de até 14 anos entre 2020 e 2022. Segundo dados do Sistema de Informação...

SP enquadrou 31 mil negros como traficantes em situações similares às de brancos usuários

Para a polícia de São Paulo, a diferença entre um traficante e um usuário de drogas pode estar na cor da pele. Ainda mais quando o acusado é flagrado...

STF retoma julgamento sobre descriminalização do porte de drogas

O Supremo Tribunal Federal (STF) retoma nesta quinta-feira (20) o julgamento sobre a descriminalização do porte de drogas para uso pessoal.  Em março deste ano,...
-+=