Recadim: “Eu, entre esquerda e direita, continuo sendo preta” – por Fátima Oliveira

O título é uma frase da filósofa Sueli Carneiro, em resposta a considerações de José Arbex sobre Celso Pitta (1946-2009), à época prefeito de São Paulo, que, acusado de corrupção, “saiu de casa com um cartaz dizendo que era perseguido por ser negro”.

Sueli Carneiro: “Não me consta que o Pitta não tenha consciência de sua condição de negro. Não se tem notícia dele como ativista. (…) Somos seres humanos como os demais, com diversas visões políticas e ideológicas. Eu, por exemplo, entre esquerda e direita, continuo sendo preta” (“Caros Amigos” n° 35, fevereiro de 2000).

Dia 20 passado, no “Conexão 1.180”, da Rádio Capital, o vereador negro Fábio Câmara (PMDB), líder da oposição, declarou que foi vítima de racismo por parte do comandante da Guarda Municipal de São Luís (MA), George Bezerra: “George me chamou de ‘preto’ (eu: chamar um preto de preto não é ofensa!), ‘macaco’ (eu: chamar negro de macaco é racismo) e ‘imbecil’ (eu: a vida já disse não!)” – aqui, cabe alfabetização em oligofrenias, “caracterizadas por deficiência global da atividade psíquica. Oligofrênicos são classificados conforme o nível de desenvolvimento mental: o idiota (1 a 3 anos), o imbecil (3 a 6 anos) e o débil mental (9 a 12 anos)”.

O vereador Fábio Câmara explode em onipresença nos blogs da capital. Meu sensor de analista de mídia começou a segui-lo mais amiúde ao ler “Sexta-feira quente: Fábio Câmara” (18.10.2013), no blog Robert Lobato. No intertítulo “De menino negro e pobre a vereador de São Luís”, disse: “… pra quem nasce no interior do Estado, preto e pobre, é sempre mais difícil. Todo mundo tem que matar um leão por dia para sobreviver”. Não há dúvida: ele se reconhece negro! De cultura escravocrata e bairrista, ser negro em São Luís é dose; e ser do interior é ferro de gado até no falar! Sem titubear: Fábio Câmara é vencedor deslumbrado e vulnerável!

No depoimento sobre seus ídolos, nada de Zumbi, Negro Cosme (líder da Balaiada, 1838-1841), Abdias, Clóvis Moura, Mandela, Luther King e Steve Biko. Rendeu loas à governadora e ao seu atual mentor político, o secretário estadual de Saúde. Verbalizou: “O governo Roseana Sarney deixará para o futuro do nosso Estado marcas fortes e grandiosas de uma gestão voltada para o nosso povo. (…) Bom é pouco! O secretário Ricardo Murad é o melhor até que me mostrem um, apenas um, que tenha feito em quantidade e qualidade pela saúde do nosso Estado mais do que ele já fez”. Eis a sua visão de mundo.

Dá impressão de que aceitou a vassalagem: ser um menino de recados do clã Sarney e o bobo da corte para a mídia. Atabalhoado na ação política (assessoria de qualidade faz falta), optou pela pirotecnia parlamentar com pique invejável de metralhadora de foco único: implodir o prefeito de São Luís! Na toada em que ele ia, pressenti que eu não demoraria a precisar escrever sobre ele. Fiquei de tocaia.

É patente que eu e o vereador não temos afinidade política nem ideológica. Em comum, a negritude. A dona Lô, com ares de catimbozeira, insistia: ele vai precisar “jazim” do repertório antirracista. Simples: a cultura da branquitude não aguenta um negro com tanta onipresença, esteja ele certo ou errado, e descamba para práticas racistas. Dito e feito! Não tenho ideia das medidas tomadas pelo vereador, além da denúncia no programa de rádio, mas espero que ele vá em frente porque é covardia silenciar diante de um crime!

O racismo é uma abominável fé bandida e sou solidária com quem se diz vítima dele.

 

 

 

Fonte: O Tempo

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