Salif Keita, uma lenda do Mali, será atração do Mimo

Salif Keita é um nó do destino, uma vingança do impossível. Mais branco entre os negros de Djoliba, no Mali, nasceu albino há 65 anos e com o peso da maldição. Seus pais sofreram para tirar da cabeça dos vizinhos que ele não deveria ser morto. Era uma criança diferente, não uma aberração. “Minha infância foi muito difícil por causa do meu albinismo”, conta ao Estado. Decidiram, então, mandá-lo para o ostracismo.

Mais tarde, Salif resolveu ser músico, e outra montanha se ergueu. O branco negro tinha sangue azul. Descoberto como o mais nobre entre os nobres, descendente direto de Sundiata Keita, fundador do império Mali, ele não poderia cantar nem tocar nenhum instrumento – tais funções só seriam desempenhadas pelos griots, os cantadores africanos. “Meu pai era contra o fato de eu fazer música e, especialmente, de cantar. Isso porque eu vinha da nobre família dos Keitas, que não podiam cantar.”

Salif Keita é, assim, um milagre. Canta com o que os africanos chamam de “a voz dourada do Continente” e cria o que o mundo reduziu por anos a “world music”. Ao Brasil, ele chega em breve para se apresentar em apenas um palco: às 24h30 do dia 11 de outubro, na Praça da Matriz de Paraty, de graça, durante a passagem do festival Mimo pelo sul do Rio. Os primeiros shows são realizados neste final de semana, em Ouro Preto (MG).

Salif vai mudar de rumo, saindo das sonoridades cheias e por vezes sintetizadas para voltar aos genes africanos. “Durante o concerto no Brasil, vocês vão descobrir mais sobre o ‘malinke’ e o ‘mandingo sounds’, que são gêneros 100% africanos. O grupo que vai me acompanhar (quatro instrumentista e duas cantoras) é composto por músicos da tradição acústica, que usam instrumentos como kora e n’goni.”

A saga do nobre Keita segue de sua cidade natal, Djoliba, para Bamako, a capital do Mali. Foi lá que, em 1973, ele se associou a respeitáveis músicos para formar a big band Les Ambassadeurs. Se os companheiros não ficaram com receio de admitir um nobre? “Eles sabiam que eu havia saído de uma família real.”

O Mali tem Salif e tem o blues. Em um documentário feito sobre a música que brota do chão deste país da África Ocidental, o guitarrista mexicano, Carlos Santana, definiu o que alguns estudiosos já farejavam: “Antes de ser norte-americano, o blues é africano”. E não só no sentido poético. Antes que o gênero fosse definido pelos negros no Sul dos Estados Unidos, registros apontam que as estruturas do blues, como as escalas pentatônicas, já eram usadas pelos griots. Salif fala sobre isso: “O blues foi criado pelos descendentes negros, filhos dos escravos mandados para as Américas à força na época da escravidão. E eu posso dizer, sem nenhuma hesitação, que o blues nasceu na África”.

Grupos de São Paulo passaram mais recentemente a olhar para a música africana dos anos 1970 e a usá-la como referência em suas identidades. Para Salif, essa transcendência cultural tem um nome: o nigeriano Fela Kuti (morto em 1997). “Fela fez muito por nossa música e, principalmente, ajudou a nossa cultura a se tornar conhecida pelo mundo todo.” Se, em sua opinião, os brasileiros poderiam aproveitar para conhecer outros grandes músicos africanos? “Sem dúvida, sobretudo pesquisando todos esses artistas que ainda conseguem tocar em casa.”


Fonte: Diário do Grande ABC

+ sobre o tema

Wole Soyinka: ‘Quando entro em um museu europeu, quero roubar de volta o que me pertence’

Aos 88 anos, o dramaturgo, poeta e romancista nigeriano Wole...

Racismo no País ainda é forte, avalia líder da causa negra

Fonte:Jornal do Comércio-   O presidente do Movimento...

Uma ialorixá vai coordenar o projeto Mulheres da Paz

Jaciara Ribeiro dos Santos, mais conhecida como Mãe Jaciara,...

O Brasil invisível ou invisibilizado?

No último dia 11, o Auditório do Ibirapuera protagonizou...

para lembrar

“Não haverá filosofia africana a partir de um livro da Europa”

Paulina Chiziane Autora dos livros, Balada de Amor ao Vento (1990), Ventos de...

A vida dos negros na Alemanha nazista

A cineasta britânica-ganense Amma Asante se deparou, por acaso,...

Imprensa alemã chora por causa do ‘herói’ Balotelli

A lamentação dos alemães, após a derrota por...

Sim à inclusão social; Não à redução da maioridade penal

Primeiro negro a se tornar desembargador na justiça carioca,...
spot_imgspot_img

Autores negros podem concorrer a prêmio com romances inéditos

Novos autores negros com romances inéditos ainda podem participar do Prêmio Pallas de Literatura 2024, cujas inscrições foram prorrogadas até as 15h do dia...

Instituto Tebas celebra 194 anos de nascimento de Luiz Gama com caminhada e exibição de vídeo em São Paulo

 Liberdade ou Morte: histórias que a História não conta é o título da web série composta por sete narrativas (fotográficas, textuais e audiovisuais) que destacam a agência...

Filme biográfico sobre Luiz Melodia é o vencedor do Festival In-Edit Brasil

O documentário "Luiz Melodia - No Coração Do Brasil" é o grande vencedor da 16º edição do In-Edit Brasil, o Festival Internacional do Documentário Musical. Dirigido...
-+=