Sepultando os meus mortos à sombra das tamareiras

“Sepultando os Meus Mortos” (memórias, 1935) e “À Sombra das Tamareiras” (contos orientais, 1934), livros do escritor maranhense Humberto de Campos (1886-1934), cuja obra era popular e leitura obrigatória nas escolas maranhenses nos anos 60/70, serviam de deliciosa chacota.

Por: Fátima Oliveira

No Maranhão, as tamareiras de Humberto de Campos são tão reais quanto o sabiá de Gonçalves Dias (1823-1864) cantando nas palmeiras… Dizem, e ouço desde criança, que só o sabiá de Gonçalves Dias, em febril delírio de amor por Ana Amélia, sua eterna musa, pousa em palmeiras, pois sabiás voam baixo e só pousam em arbustos! Por aí… Se é verdade, não sei! Jamais vi sabiá em palmeira. Para nós, o nome do livro era “Sepultando os Meus Mortos à Sombra das Tamareiras”. Outra versão era usada quando terminávamos um namoro: “Fulano? Morto e Sepultado à Sombra das Tamareiras”. Era o fim, fim…

Em “Sepultando os Meus Mortos”, o autor escreveu suas memórias de pessoas com quem conviveu. Sobre “À Sombra das Tamareiras”, transcrevo parte do que escreveu Antonio Carlos Secchin (da Academia Brasileira de Letras e professor titular de literatura brasileira da UFRJ): “Na multifacetada obra de Humberto de Campos, ‘À Sombra das Tamareiras’ representa uma bem-sucedida incursão ao imaginário do Oriente (…). Em meio ao imenso espólio da fabulação oriental, torna-se difícil, na apropriação que dele efetua Humberto de Campos, detectar o que seria criação ‘original’ e o que seria tradução ou adaptação de histórias alheias. Na divertida apresentação do volume, intitulada ‘As razões do livro’, o escritor confessa, não sem ironia, um ‘furto literário’ e apresenta razões pouco nobres para editá-lo: precisa quitar a dívida contraída com o suposto verdadeiro autor, e, com malícia, insinua não ter certeza de que o tal Mohammed Zolachid haja, de fato, escrito as histórias (…). Ressalte-se a qualidade da escrita de Humberto de Campos: um estilo claro, fluente, a serviço de uma capacidade fabulativa que prende a atenção do leitor, seduzido pelas reviravoltas e as peripécias das bem-urdidas tramas”.

Não conheço as obras completas de Humberto de Campos, nem sei o motivo, já que é um autor que acho especial, e a fluência de suas narrativas é, no essencial, agradabilíssima. Todavia, tenho prazer imenso em reler, por pura distração, além dos dois livros mencionados, os minicontos de “Grãos de Mostarda” e “O Brasil Anedótico”, um conjunto de historietas das mais engraçadas (segundo o autor, “resumem a crônica do Brasil colônia, do Brasil império e do Brasil república”), como a que se segue, extraída do seu discurso de posse na Academia Brasileira de Letras, em 8 de maio de 1920, na cadeira de número 20, sucedendo ao poeta e jornalista paranaense Emílio de Menezes (1866-1918):

“Em uma roda de literatos, discutia-se, certa vez, metrificação, quando um deles procurou amesquinhar Machado de Assis, observando, leviano: – Era um péssimo poeta. O último verso dos alexandrinos ‘A uma criatura’ tem 11 sílabas; é um verso de pé quebrado.

Emílio de Menezes, que se achava no grupo e sentia uma religiosa admiração pelo mestre, franziu a testa profética e protestou soturno: – Não pode ser.

E sentencioso: – Os bons versos não têm pés: têm asas!”.

O tom sarcástico e humorístico dos seus escritos encantam. Deve ter sido uma pessoa muita engraçada, a ponto que adotou vários pseudônimos: Conselheiro XX, almirante Justino Ribas, Luís Phoca, João Caetano, Giovani Morelli, Batu-Allah, Micromegas e Hélios.

 

 

Fonte: O Tempo

+ sobre o tema

Operação resgata 12 pessoas em condições análogas à escravidão

A Polícia Federal (PF), em parceria com o Ministério...

A saga de uma Nobel de Economia pelo ‘Pix do desastre climático’

Mesmo com seu Nobel de Economia conquistado em 2019,...

Vitória da extrema direita na França afetará guerras, Mercosul e clima

Uma vitória da extrema direita ameaça gerar um profundo...

para lembrar

‘Forbes’ lista os 5 políticos mais ricos do Brasil

Baseada em dados do Tribunal Superior Eleitoral, a...

Dilma anuncia mudanças e reduz 8 ministérios; veja os nomes

A presidenta Dilma Rousseff acaba de anunciar a reforma...

Fundamentalismo cristão é um projeto de poder

Não há como negar a força política ancorada no...

Hamilton Assis no debate dos candidatos a vice presidentes

  Questionado pela jornalista Christina Lemos se o PSOL pretende...

Extrema direita francesa choca com slogan: ‘Dar futuro às crianças brancas’

O avanço da extrema direita na França abre caminho para campanhas cada vez mais explícitas em seu tom xenófobo. Nesta semana, um dos grupos...

Supremocracia desafiada

Temos testemunhado uma crescente tensão entre o Poder Legislativo e o Supremo Tribunal Federal. Essa tensão não decorre, no entanto, apenas do ressentimento de...

Na USP, professor deixa legado de R$ 25 milhões – e um recado às elites

Stelio Marras é professor e pesquisador do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) e construiu toda sua carreira acadêmica na Universidade de São Paulo (USP), da graduação...
-+=