Só vai ter Ubuntu, Emicida, quando você deixar de ser machista

Emicida virou assunto essa semana por suas falas representativas e positivas no que diz respeito à luta contra o racismo e ao empoderamento da população negra. Entretanto, nada disso – que eu já compreendo e sei que é muito importante ser dito em determinados espaços -, me gerou comoção e vontade de ficar reproduzindo nas minhas redes sociais. Afinal, Emicida ainda não me representa e não me representará enquanto ele não usar esses mesmos espaços onde diz coisas expondo a braquitude para se autocriticar enquanto homem machista que reproduziu discursos misóginos em músicas, postagens e falas, mas que não parece se arrepender disso.

pro Stephanie Ribeiro no Frida Diria

Vamos lembrar que, dentro do nosso contexto, as mulheres negras sofrem com uma sociedade machista, que limita nossos direitos, porém também racista e elitista. Com isso, temos a maioria da população, mulheres negras, expostas a uma situação de vulnerabilidade extrema.

Muitos homens do movimento negro não aceitam quando o debate de gênero é colocado na mesa. As desculpas são diversas, desde que homens negros não são machistas, pois o machismo seria algo branco, até que a exposição no momento atual do machismo deles é desnecessária, pois precisamos nos unir.

Acho que desnecessário é não chamar atenção para o fato, ele ainda é invisibilizado. Enquanto isso, mulheres negras são 60% das vítimas de feminicidio do país.

Eu não sou nem só negro e nem só mulher. Sendo essas duas coisas e sofrendo as opressões que recaem por ser o que sou, não consigo ver o Emicida como alguém que simbolize a luta, afinal:

1. Não esquecemos Trepadeira

“ô, essa nega é trepadeira, hein”. Essa e uma das frases da música Trepadeira, lançada em 2013 pelo Emicida, na qual, por meio de metáforas, ele condena a liberdade sexual de mulheres. Qualquer pessoa sensata em questões de gênero deveria saber que não cabe ao homem falar nada sobre a vida sexual de mulheres, que já é inclusive muito reprimida tanto pelo Estado, quanto pela base Cristã que nos cerca. Mas Emicida não só fez isso, como, quando questionado pelo erro presente na letra, “explicou”, em uma publicação em seu Facebook, que não havia nada de machista nela, era só licença poética.

Então, EMICIDA, sua licença poética mata. Segundo o IPEA (pesquisa de 2013), 15 mulheres são mortas por dia no Brasil!

Por isso, não serei sua querida amiga feminista enquanto Trepadeira não for assumida por você como música machista e não houver uma retratação séria em relação a essa música.

2. Mulher negra escolhe o lugar que ela quer ocupar

Numa batalha com Negra Rê, o Emicida soltou inúmeras frases agressivas, referiu-se ao cabelo dela como sendo falso, feito de nylon, e tocou nele (é um consenso que nós negras sofremos muito com imposições estéticas sobre nossos cabelos, então isso é muito cruel), depois completou dizendo que ela era feia demais, e outras coisas absurdas que só não são pior do que a frase:

“Era melhor você ter continuado como diarista”.

Olha, num mundo machista e racista, negras são a base da piramide social e de trabalho, são maioria entre as mulheres nos empregos insalubres e de grande esforço físico. Somos a minoria nas universidades, ainda. E, quando saímos de alguns lugares pré-estabelecidos pela branquitude, enfrentamos inúmeras dificuldades. Qual é o sentido do homem negro se incomodar com a mulher negra que ocupa o mesmo espaço que ele? No caso, Negra Rê sendo sua adversária nessa batalha? MACHISMO.

E, pior, antes que me digam que faz parte do jogo esse tipo de ofensa, ela não proferiu nada que fosse no mesmo grau de hostilização do que ele disse.

Nós, negros, precisamos ocupar todos os espaços, doa a quem doer, mas é muito pior quando nossas autoestimas são destruídas por semelhantes.

3. Para de expor meninas para zombaria alheia.

Há cinco meses, Emicida postou a seguinte imagem em seu instagram:

emicida emicida2
 

Como sempre, se incomodado com a atitude de mulheres e dessa forma expondo elas ao escarnio. Isso sim é danoso: nem a selfie como queremos fazer podemos. Qual é o problema de entender que, num contexto de machismo, essas “piadinhas” são só frutos da educação que nos ensina a odiar mulheres?

Ah, vão dizer que ele não tem acesso a leitura com recorte de gênero.

Pois bem, o debate sobre Trepadeira foi em 2013, estamos em 2015: dois anos e ele ainda posta coisas como a citada acima. Ele tinha tempo sim para se envolver com o assunto, era só ter tido mais abertura.

O que acontece é que EMICIDA É O CLÁSSICO DO MILITANTE NEGRO BRASILEIRO NA LUTA RACIAL – ELE É MACHISTA.

Ele não entende que, naquele programa Altas Horas, a Dandara teve ótimas falas, mas que ela não foi tão aplaudida quanto ele, não só porque ela não é famosa, mas também porque ela é mulher. Que é bem cruel, num contexto em que se debate a cor do amor, fazer um clipe pró empoderamento negro e colocar o “mocinho” se envolvendo com a filha branca dos patrões, afinal “amor não tem cor”, MENTIRA.

Amor tem cor sim! Tanto tem que é só um negro ascender socialmente/intelectualmente que uma das primeiras coisas que ele faz é trocar sua companheira negra de anos, por uma mulher branca que represente o seu novo status. Não basta “boa esperança” para nós negras se os nossos continuarem negando que na hora da luta nos querem do lado, só que na hora do amor nos deixam de lado.

Nunca foi tão necessária a intersecção de opressões. Enquanto as falas bonitas forem sobre apenas racismo dentro do movimento negro, o discurso libertador servirá só para homens negros e a nós negras restará a ausência de respeito e o não apoio para a discussão da questão de gênero que é muito importante.

A liberdade do povo negro só virá com a liberdade da mulher negra dos cunhões que nos oprimem.

Como diz Sueli Carneiro, em “Enegrecer o Feminismo: A Situação da Mulher Negra na América Latina a partir de uma perspectiva de gênero”:

O atual movimento de mulheres negras, ao trazer para a cena política as contradições resultantes da articulação das variáveis de raça, classe e gênero, promove a síntese das bandeiras de luta historicamente levantadas pelos movimento negro e de mulheres do país, enegrecendo de um lado, as reivindicações das mulheres, tornando-as assim mais representativas do conjunto das mulheres brasileiras, e, por outro lado, promovendo a feminização das propostas e reivindicações do movimento negro.

Por essas e outras, só vai ter Ubuntu, Emicida, quando você deixar de ser machista. E que fique o recado para todos os homens negros.


Stephanie Ribeiro

Estudante de Arquitetura e Urbanismo na PUC Campinas. É feminista negra interseccional, fundadora da Imprensa Feminista e colabora de diversos portais.

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