Tamires Sampaio a primeira diretora negra do Centro Acadêmico do Mackenzie

Tamires Sampaio, que entrou na universidade pelo Prouni, afirma que ações afirmativas ajudarão a diminuir a desigualdade racial

Aos 20 anos, Tamires Gomes Sampaio é a primeira diretora negra do Centro Acadêmico do curso de Direito da universidade paulistana Mackenzie. Uma conquista que se torna ainda mais relevante diante de seu perfil, diferente do normalmente associado à instituição: a aluna do 4.º ano sempre estudou em colégios públicos estaduais da periferia de São Paulo e conseguiu uma bolsa de estudos para se graduar por meio do Prouni.

Há dois anos, o mesmo Centro Acadêmico foi o principal organizador de uma manifestação contra o uso do Enem como critério de classificação para ingressar no Mackenzie. A manifestação chegou a fechar uma das faixas da Rua da Consolação, no centro de São Paulo. Na ocasião, a justificativa dos estudantes era de que a adoção do exame contribuiria para a queda da qualidade do curso de Direito. O protesto não funcionou e o Enem continua sendo o processo seletivo dos ingressantes pelo Prouni na universidade.

Graças a sua boa classificação no exame, Tamires conseguiu entrar na instituição. Estimulada por sua mãe, ela escolheu prestar Direito ainda no Ensino Médio, com o intuito de ser promotora pública. Para suprir as deficiências de ensino dos colégios da Zona Leste, onde estudou, precisou fazer cursinho pré-vestibular. “Em Itaquera e Guaianases, a escola pública é uma coisa e, no Centro, é outra completamente diferente. Já existe uma seleção social aí, de quem pode receber uma educação de qualidade e quem não pode. Os professores não são respeitado pelo estado, não dão aulas boas, e os alunos não têm vontade de estudar.”

Aos estudos do Ensino Médio, Tamires aliou empregos de meio período, um deles pelo Programa Menor Aprendiz, no qual empresas recebem incentivos para contratar adolescentes. “Trabalhei em dois lugares, num atacadista de roupas no Brás pelo ‘Menor Aprendiz’, mas apenas três meses. ‘Menor Aprendiz’ era uma conversa, né, porque eu ficava das 7h30 às 16 horas. Que ‘Menor Aprendiz’ era aquele?’ Ficou muito puxado. Também trabalhei numa recepção de loja de assistência técnica, sem carteira assinada.”

Desde adolescente, Tamires é ativista do Movimento Negro, tal qual sua mãe, Rosemary Sampaio, de 47 anos. Criada com a ajuda da avó, Tamires nasceu quando Rosemary tentava concluir os estudos em Psicologia. Por parte de pai, tem mais 4 irmãos. Hoje, Tamires é estagiária na Secretaria Municipal de Igualdade Racial de São Paulo e sua mãe, funcionária pública.

A ideia de montar o coletivo Frente Perspectiva, embrião da chapa que acabou sendo eleita para direção do CA João Mendes Jr., veio das manifestações de junho de 2013. “Queríamos que o CA deixasse de ser um espaço de amigos e que passasse a ser a representação de todos os estudantes, mas de todos mesmo, pautando questões de raça, gênero.” diz. “Nós somos uma chapa que veio de um coletivo de esquerda mas a gente sabe que, entre os alunos do Mackenzie, têm gente de esquerda, de direita, têm os ‘pra frente’, têm os ‘pra trás’.” completa.

O racismo na universidade

O Mackenzie é historicamente taxado como uma instituição de polarização ideológica mais conservadora. Tamires, no entanto, afirma que o que marca mais a universidade, e também outras instituições em São Paulo, é a desmotivação política dos estudantes. Mesmo a eleição do CA que elegeu a chapa da qual faz parte conseguiu alcançar apenas 1,6 mil votos entre os 7 mil alunos de Direito, e foi uma votação recorde.

Tamires tem consciência do simbolismo da sua nomeação como primeira pessoa negra a presidir o CA de um dos cursos mais tradicionais das universidades paulistas mas, em nenhum momento, trata a situação apenas como uma conquista individual. A estudante não tem dúvidas de que políticas afirmativas contribuirão para transformar o Brasil num País mais justo, principalmente para a população negra. “O Brasil é um País que, depois da escravidão, não teve inserção do negro à sociedade. O negro passou a ser mais excluído ainda.” diz.

Para ela, o racismo não é perceptível nas ações diretas das pessoas com quem convive na universidade mas, em uma observação mais sensível, é possível sentir o grau de exclusão imposto aos negros. “Eu estudo numa sala de quase 80 alunos e tem três, quatro negros. Tem sala de aula aqui que não tem negro. E, dai, você olha para o lado, a faxineira é uma mulher negra. O segurança do Mackenzie é um homem negro. São cem professores no corpo docente, dois, três são negros. A gente é igual na Constituição, no papel. É só olhar pro lado que você percebe que não tem igualdade nenhuma.”

Fonte: Carta Capital

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