Toda mulher é meio Eliza Samudio

O desaparecimento de Eliza Samudio, a moça que teve um filho com o goleiro e capitão do Flamengo, Bruno, e que, agora, é dada como morta pela polícia que investiga o caso; este desaparecimento e sua cobertura por parte da mídia chamaram a minha atenção não por ser o tal do Bruno aquele apontado como o principal responsável pelo sumiço da moça (meu interesse por futebol não chega ao ponto de eu saber quem é o capitão do Flamengo), mas, sim, pelo fato de a internet, desde o momento em que a polícia levantou a hipótese de Eliza ter sido assassinada pelo goleiro, vir sendo invadida por comentários machistas que buscam desqualificar a vítima para, assim, “justificar” o crime que lhe tirou a vida.

POR JEAN WYLLYS

Como homem homossexual solidário às mulheres, eu me interessei pela repercussão do caso Eliza Samudio por perceber, nos comentários que lhe acusam de “Maria Chuteira”, “puta” e “atriz pornô”, entre outros mimos, não só aquela violência ordinária, construída ao longo dos anos em que uma menina se transforma em mulher e aprende a se tornar vítima, ou aquela violência mortal que, por exemplo, pôs fim à vida de Eliza, mas, principalmente, por perceber aquela violência sistemática dirigida contra todas as mulheres e que se expressa primeiramente na linguagem.

É claro que a grande maioria destes xingamentos que objetivam desqualificar a vítima para “justificar” ou “explicar” a barbárie que lhe abatera partiu de homens, alguns deles fanáticos por futebol ou pelo Flamengo, mas muitos vieram também de outras mulheres, o que mostra que a dominação masculina é eficaz também por fazer, de muitas mulheres, machistas de plantão e inimigas de si mesmas.

 

Depois de demorada e criteriosa investigação acerca do desaparecimento de Eliza, as polícias de Minas Gerais e do Rio concluíram que ela fora assassinada cruel e covardemente e divulgaram detalhes sórdidos e estarrecedores: a moça frágil teria apanhado ao ponto de pedir clemência aos seus algozes e, depois, estrangulada sob o olhar impassível de Bruno, goleiro do Flamengo, que, segundo a polícia, não só é o mentor deste crime hediondo como, após a conclusão do mesmo, sentou-se para beber cerveja e para falar de futebol.

 

Estes detalhes me levaram às lágrimas e me tiraram o sono (Queria eu ser um super-homem para mudar o curso da história e salvar Eliza das mãos dos criminosos!), mas, a outros homens e mulheres, a divulgação dos detalhes sórdidos só serviu de estímulo para que continuassem a difamar a vítima na esperança de proteger não só um ídolo do futebol (e pensar que, na Escola do Flamengo, os futuros atletas idolatravam este tal de Bruno me dá arrepios!), mas, sobretudo, proteger o direito do macho sobre o corpo da mulher; sobre sua vida e sua morte.

 

Indícios desta cumplicidade apareceram no fato divulgado pela imprensa de que os policiais e carcereiros da delegacia onde Bruno fora presa passaram a noite conversando amigavelmente com o acusado sobre futebol e viagens.

 

Onde já se viu uma coisas destas? Será que esses policiais também concordam que “Maria Chuteira” que engravida de jogador rico e, depois, cobra-lhe uma pensão merece apanhar até morrer e, por fim, ser desossada e atirada aos cães?

 

Será que eles disseram isto para o goleiro? Daí para Bruno ser inocentado é um pulo!

 

O assassinato de Eliza Samudio – principalmente por ser, o acusado de ter planejado este crime, rico e famoso porque capitão de um time de futebol popular – traz à luz, de alguma maneira, as violências semelhantes a que são submetidas outras mulheres, e que, embora sabidas, não se tornam públicas. Mulheres que, como ela, eram cheias das esperanças e ilusões que povoam a alma, qualquer alma.

 

Toda mulher é meio Eliza Samudio! Como homem solidário às mulheres (até porque tenho uma mãe, duas irmãs e muitas amigas que eu amo), eu espero pelo dia em que a notícia do assassinato brutal de uma mulher não sirva para que machistas e misóginos esmiúcem os detalhes de sua vida íntima com o intuito de desqualificá-la e, assim, “justificar” sua morte, mas, sim, que sirva de libelo contra a covardia da besta humana que praticou e/ou idealizou o crime.

Fonte: Blog do Jean Willys

+ sobre o tema

4 boas razões para um homem bater numa mulher

Um recado para as mulheres vítimas de abuso do...

Uma rebelde no rebanho

A filósofa e teóloga Ivone Gebara é uma voz...

Aos 80 anos e prestes a completar 40 anos na política, Benedita é reeleita deputada federal

Reeleita no último domingo (2) para seu sexto mandato...

Ministra da Igualdade Luiza Bairros recebe medalha da Ordem do Rio Branco

Honraria foi concedida no Itamaraty como parte das...

para lembrar

Aluno do colégio Marista é impedido de usar tiara; motivo? “Meninos não usam tiara”

Na última quinta-feira (23) um aluno do colégio Marista...

Autoestima ajuda a driblar crueldade do racismo na infância

"Ser negra é algo que vai muito além da...

Festival Latinidades: racismo persiste no Brasil, reforçam ativistas

Mesmo com a conquista de direitos civis, o racismo...
spot_imgspot_img

Exposição e livro lembram os 30 anos da morte de Lélia Gonzalez

Os 30 anos de morte da pesquisadora e militante Lélia Gonzalez, um dos nomes mais importantes do pensamento antirracista brasileiro, serão lembrados na mostra Lélia...

Elogio ao estupro e ódio às mulheres

Nem sempre é fácil dizer o óbvio. Mesmo porque, quando essa necessidade se impõe é fundamental entender as razões que estão por trás dela. Mas...

Angela Davis: “O desafio é manter a esperança quando não vemos sinais”

Angela Davis, filósofa professora americana, é como uma estrela de rock do ativismo pelos direitos humanos e do movimento negro. Sua popularidade atravessa gerações...
-+=