A educadora Maria Lacerda de Moura, mineira de Manhuaçu (1887-1945), formou-se na Escola Normal de Barbacena e viveu também em São Paulo, tendo publicou dez livros. Entre eles, “A mulher é uma degenerada “(1924), cujo título seria uma pergunta, mas foi publicado sem a interrogação; e outro igualmente ousado: “Amai… mas não vos multipliqueis” (1932). Para Maria Lacerda, a liberdade sexual das mulheres seria a “conquista suprema para a remodulação do velho mundo”.
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Pouco estudadas no meio acadêmico brasileiro, as ideias feministas dessa militante anarquista do início do século XX foram apresentadas no 4º Festival de História em 2017 pela historiadora e professora da rede pública de São Paulo, Carolina Ramkrapes, na mesa “Nossa Luta faz História”. A mesa contou, ainda, com relatos de lutas da educadora Macaé Evaristo, então secretária de Educação de Minas Gerais, e a mediação da assistente social Maria do Carmo Ferreira, a Cacá, secretária de Desenvolvimento Social de Diamantina, ex-prefeita de Araçuaí e por sete anos diretora no hoje extinto Ministério de Promoção da Igualdade Racial.
A professora Carolina abordou o tema da “Maternidade e insubmissão feminina” e uniu duas mulheres “insubmissas aos discursos históricos de médicos, juristas, padres e pastores”: Maria de Lacerda, no início do século XX, e Rosa Paulino, neste século XXI, artista plástica e doutora pela USP, autora de obras que trazem a subjetividade das mulheres negras e refletem o racismo no Brasil.
Nos dois livros citados de Maria Lacerda, a autora respondia ao psiquiatra Miguel Bombarda (1851-1910), cientista e político em Portugal, com influência nos meios médicos brasileiros, que afirmava serem as mulheres degeneradas, biologicamente inferiores aos homens, e que uma mudança de seu papel social traria infertilidade e queda da população, relatou Ramkrapes. “Maria Lacerda “responde” que havia degenerescência, sim, do ser humano que faz guerras e as mulheres estariam produzindo filhos para os canhões; e que a maternidade compulsória servia à gestão das populações, atingindo principalmente as proletárias.
“Os discursos não vêm separados, são religiosos, jurídicos, médicos, liberais”, afirmou Carolina, considerando que essas são ainda lutas atuais.
A anarquista, que foi biografada por Míriam Moreira Leite, em “Outra face do feminismo”, defendia a libertação da mulher pela educação e fazia críticas também às esquerdas por não incorporarem ao ideal da revolução o fim de práticas que oprimem a mulher.
Mulheres e negras
A professora projetou a imagem da obra “Amas de Leite”, da artista Rosa Paulino, para abordar também o “feminismo negro”. “As mulheres negras foram hipersexualizadas na História, como em Gilberto Freire. E como produziram muitos filhos na colônia? – pelo estupro”, respondeu, assinalando que o feminismo negro trouxe indagações que ampliam a luta feminista no Brasil.
Para a secretária e ex-prefeita Cacá, “filha de trabalhadores do Vale do Jequitinhonha, mulher e negra”, como se definiu, é preciso pensar que a História das mulheres nos Brasil guarda trajetórias tanto de mulheres brancas quanto das mulheres negras e muitas vezes o que se aplica sobre umas não se aplica nem reflete as outras, havendo hoje muitas pautas agregadas. “Aquilo que muitas vezes atinge a mulher branca não pode ser visto e tido da mesma forma como o que atinge a mulher negra”, afirmou.