Violência contra mulheres: a “pandemia na sombra” da Covid-19

Enviado por / FonteDW, por Silja Fröhlich, mjp

Nos últimos meses, aumentaram os casos de violência, abuso sexual e feminicídios em África e no mundo. E este aumento pode estar, em parte, ligado à Covid-19. A Organização das Nações Unidas (ONU) já chama-de “pandemia na sombra” à violência contra mulheres.

No primeiro semestre de 2020, a Libéria registou um aumento de 50% nos casos de violência de género: só entre janeiro e junho registaram-se mais de 600 casos de violação; em todo o ano de 2018 tinham sido 803.

Na Nigéria, a violência sexual também aumentou durante o confinamento: em junho, os casos de duas jovens violadas e mortas chocaram o país. Já no Quénia, segundo a imprensa local, quase 4 mil estudantes engravidaram durante o encerramento das escolas, alegadamente por terem sido violadas por familiares ou agentes da polícia.

“A situação já era má para as mulheres mesmo antes do coronavírus. A pandemia apenas levantou o véu sobre aquilo que não víamos. Ajudou a abrir os olhos dos governos para a situação real”, interpreta Jean Paul Murunga, da organização de direitos das mulheres Equality Now.

Uma mulher assassinada a cada três horas

Em maio, o Presidente sul-africano, Cyril Ramaphosa, dizia que “o flagelo da violência de género” continuava a “assolar” o país, enquanto “os homens declaram guerra às mulheres”.

Cyril Ramaphosa: “Flagelo da violência de género” continua a assolar o país, enquanto “homens declaram guerra às mulheres”

De acordo com as últimas estatísticas da polícia sul-africana, uma mulher é assassinada a cada três horas. O país tem em vigor desde maio um Plano Estratégico Nacional para a responsabilização dos culpados, prevenção, proteção, apoio e tratamento.

Mas, até agora, no geral, a luta contra a violência de género tem sido travada de forma bastante tímida no continente africano, diz o ativista queniano Jean Paul Murunga.

“Alguns governos, como o do Quénia, criaram um comité nacional para a violência com base no género. Mas outros fizeram o costume: declarações oficiais, comissões, mas não há as ações concretas necessárias para resolver a situação”, refere.

Tradição patriarcal

Com a campanha online “I decided to live” (em português, “decidi viver”), a jornalista camaronesa Kitty Chrys-Tayl lança um apelo às autoridades. “A questão do sexismo deve ser abordada nas escolas, a partir da primária. Para isso, é preciso vontade política. Porque tudo vem daí, os danos causados pela violência de género e a cultura da violação”, analisa.

Durante o confinamento imposto pela pandemia do coronavírus, as mulheres ficaram à mercê dos parceiros, explica Lesley Ann Foster. O presidente da organização internacional de proteção dos direitos das mulheres Masimanyane, na África do Sul, diz que as causas da violência são profundas e permanecem intactas.

“Drogas e álcool são as forças por trás da violência de género, mas o problema subjacente é o estatuto inferior das mulheres na sociedade. Tem a ver com o patriarcado. As normas e os padrões sociais são tão frágeis que as mulheres são simplesmente mortas, violadas, espancadas e descartadas. O país não lida de forma satisfatória com o tema nem faz pressão suficiente para a igualdade de género”, explica.

Solução: mais mulheres no Governo?

O ativista Jean Paul Murunga concorda com esta visão de que vários países africanos têm uma tradição patriarcal. “Durante muito tempo, mulheres e meninas não eram consideradas iguais perante o sexo masculino. Portanto, questões que as afetam demoram mais a serem abordadas”, lembra.

“Quando um Governo é composto por homens, eles raramente dão prioridade a assuntos que não lhes dizem respeito diretamente. As prioridades são as infraestruturas, estradas, Forças Armadas e não o orçamento para a saúde e planeamento familiar”, diz ainda Jean Paul Murunga.

A solução, segundo os ativistas, passa por uma maior representatividade no poder: mais mulheres nos governos para falarem em nome das mulheres africanas.

 

+ sobre o tema

‘Negras de lá, Negras daqui’: Antologia junta escritoras africanas e afrobrasileiras

Nesse contexto o projeto Raízes pensou em juntar escritoras...

Pela primeira vez, bebê terá um pai e duas mães na certidão de nascimento

A decisão inédita foi do juiz diretor do Fórum...

Maria da Penha recebe prêmio Franco-Alemão de Direitos Humanos

Brasileira está entre os homenageados em primeira edição da...

Estado, sou gay! Por Renan Teles

Em tempos de Projeto de Lei (PL) n. 6.583/13...

para lembrar

O traço e a marca de Luiza Bairros: um arquivo para o Dia Internacional da Mulher Negra

“O meu material é minha cabeça e meu gogó”. ...

Homem hétero não tem amigo gay. Veja três histórias que desmentem essa ideia

Livre dos preconceitos e respeitando as diferenças, homens heterossexuais...

‘Pensei que ia morrer’, diz turista carioca estuprada em Natal

Crime aconteceu na noite desta quarta-feira (23) no bairro...
spot_imgspot_img

Machismo contribui para a remuneração das mulheres ser inferior à dos homens

Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mulheres têm remuneração, em média, 17% menor que a dos homens e, até mesmo...

Aos 82, Benedita da Silva lembra trajetória de luta pelas minorias: “Ainda falta muito”

A deputada federal Benedita da Silva (PT-RJ) afirmou que o cenário das minorias já melhorou bastante no Brasil, mas ainda há muito a ser...

Mulheres são assassinadas mesmo com medidas protetivas; polícia prendeu 96 por descumprimento

Casos recentes de mulheres mortas após conseguirem medidas protetivas contra ex-companheiros mostram que o assunto ainda é um desafio no combate à violência contra...
-+=