Xenofobia tem cor no Brasil – Por: Luciana Fernanda Silva

O racismo antinegro no sistema de imigrantes e refugiados no Brasil

Ainda hoje, milhares de africanos chegam à costa brasileira em porões de navio.
Alex André Vargem¹

Enviado por Luciana Fernanda Luz via Facebook 

Os vídeos a seguir apresentam cenas fortes, mas recomendadas.

Este homem vindo de Gana estava sendo torturado por tripulantes em um navio estrangeiro que carregava caca no porto de Ilhéus, na Bahia. Nesta situação, segundo relato de um ativista presente, que, por segurança, não poderei citar-lhe o nome, agentes da Polícia Federal estavam no local e não fizeram nada, alegando que o navio é território estrangeiro. Se o africano fosse um sueco… torturado por africanos, as atitudes serias bem diferentes.

As imagens abaixo, as quais podem ser conferidas nessa reportagem retratam a situação onde nove refugiados nigerianos que, foram descobertos e, mais uma vez, torturados em um navio de bandeira turca na costa brasileira, no porto de Paranaguá. Estavam apenas com a roupa do corpo e fugiram por causa da situação política de seu país. Em meio ao trajeto, foram descobertos e presos em salas minúsculas, cujas portas foram CERRADAS para evitar que fugissem, sem condições de higiene – estavam fazendo suas necessidades em garrafas plásticas e pinicos improvisados.

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Os agentes da fronteira, segundo Vargem (2012), disseram que não permitiriam a permanência desses estrangeiros aqui por que eles eram uma “ameaça à saúde pública e à segurança nacional”. Os patrícios apenas conseguiram entrar e pedir refúgio aqui por conta de uma liminar judicial.

Vargem (2012), explica ainda que “diversos direitos dos nigerianos foram violados segundo as normas internacionais das quais o Brasil é signatário, principalmente, o direito de solicitar refúgio”, e ainda destaca o alarmante fato deste não ser “um caso isolado e estabelecer uma relação com o fenômeno global das políticas migratórias restritivas adotadas por muitos países”.

Abaixo, mais um absurdo gravado. Mais um refugiado africano, vindo de Camarões que foi torturado por um navio de bandeira turca. Ele foi JOGADO EM ALTO MAR na costa brasileira, e esperou cerca de onze horas até ser resgatado por uma outra embarcação chilena.

http://mais.uol.com.br/view/s70pk4i6az2h/africano-e-torturado-e-jogado-em-alto-mar-na-costa-brasileir-04024D1C316ED0913326?types=V&

O mundo sem fronteiras é uma falácia para os pobres. Em relação aos negros, este sofisma é intensificado. As portas de entrada e de saída deste “território nacional” se tornam “muito mais burocráticas” para os negro-brasileiros. Em se tratando de nascentes em países africanos, então, as chances de sucesso são reduzidas.

É óbvio que os outros estrangeiros oriundos de países em eterna emergência também sofrem discriminação. Entretanto, os negros africanos são os que melhor conhecem o significado de xenofobia. Tal conjuntura é facilmente inferida se pensarmos que a lógica operadora deste sistema capitalista que nos oprime é engrenada pelo racismo – transgeracional – anti-negro.

Segundo precários dados da Organização Internacional da Migração (IOM) e do Comitê Nacional para Refugiados (CONARE), a maioria dos africanos que saem de avião ou fogem de navio da África tem como destino o Brasil.

O Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR) separa o refugiado do imigrante. Os imigrantes são aqueles que normalmente saem de seus países por conta de alguma situação socioeconômica, e o refugiado por “fundado temor e perseguição por motivos políticos, sociais ou culturais”. O pesquisador Alex Vargem (2012), defende que essas categorias se confundem “se considerarmos que uma pessoa que é perseguida politicamente também pode sofrer formas de sanção ou exclusão econômica”. Neste caso, conclui, “o contexto político, econômico e social é o mesmo”.

Embora o Brasil seja signatário do Estatuto dos Refugiados, organizado pela ONU, o qual estabelece que os países que o compreendem devem conceder refúgio, a negligência quanto ao direito à informação por parte dos agentes de fronteira aos refugiados impede a possibilidade e muitos estrangeiros buscarem meios legais de permanência.

Segundo os estudos de Vargem, cerca de menos de 30% dos refugiados africanos conseguem refúgio, ou seja, documentação e visto de permanência. De modo que, a grande parte que não obtêm êxito fica à deriva no país. Pois, por conta da cláusula de “não devolução” do referido estatuto, o Brasil dificilmente deporta ou repatria esses estrangeiros, mas também não permite que se tornem legais.

Por isso, muitos patrícios aqui estão em situação irregular, sem passaporte, e não podem ter emprego registrado, alugar imóveis, ter conta em banco, ganhar na Mega-sena, etc. Ou seja, sem direito mínimo de dignidade e sem poder voltar para casa, por causa da falta de documentação. Em resumo, vagueiam pelo Brasil dependendo de trabalhos informais muitas vezes precários e da ajuda dos outros. Isso, quando não dão a sorte de não cair no sistema prisional e sumirem, por conta da falta de documentação.

As instituições governamentais estão despreparadas para organizar o fluxo migratório para o Brasil, uma vez que a maneira como estruturam seu funcionamento não é, como diria o poeta Cuti, “escurecido”.

A complexidade dos fluxos migratórios no Brasil está gritando por uma reforma. Nós não podemos mais sustentar essas instituições que mais parecem fantasma e alimentam o maquinário racista. Enquanto a burguesia disputa para ver quem decide quem entra e quem sai, muitas Zulmiras são assassinadas para vingar o furor xenofóbico dessa gente bestializada.

A mesma patota que expulsa os africanos do Brasil e os humilha é contra as Cotas,contra a Lei 10.639, etc. Abrir a fronteira para africanos significaria enegrecer o país e dividir oportunidades. Eu topo…

1 Alex Vargem é bacharel em Ciências Sociais pela PUC-SP, formado em Direito Internacional dos Refugiados pelo International Institute of Humanitarian Law, na Itália, e especialista em imigração africana para o Brasil.

Luciana Fernanda SIlva
Recém graduada em Letras. Funcionária pública – trabalho no Metrô de São Paulo. Professora voluntária. Militante social e racial. Fã de Zé Moreira, Isaac Hayes, João Nogueira e Paulo César Pinheiro, pesquiso sobre nuances do discurso racial no samba.

Fonte: Blogueiras Feministas

 

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